Hoje
saí do metro, caminhei umas cinco quadras. Ruas pavimentadas, cheias de
transeuntes apressados. Um céu azul entre as nuvens levemente
acinzentadas. Muitos comércios, inclusive três igrejas, uma que ensina
técnicas de meditações e tem palestras motivacionais,
Igreja-de-não-sei-o-que-da-Ciência. Achei engraçado. E nisso tudo pude
sentir uma espécie de beleza no ar. Sei-lá, uma beleza do sujo, feio,
caótico. Logo virei a esquerda e entrei por uma porta de chocalhos
perfumados. Subi a escada, fui até o banheiro, lavei as mãos, fui na
sala de estar, enchi duas vezes um copo d'água. O dia estava quente.
Sentei-me ao lado de um gato que não fez questao de me perceber ali.
Logo fui chamada para um corredor, entrei numa outra porta a esquerda e
quem estava lá me esperando? Sentada em uma poltrona verde, lá estava
eu. Olhei eu dos pés a cabeça... Eu estava sentada confortavelmente,
naverdade estava estirada na cadeira, mole, esbaforida, e com um
sorriso
maroto e cúmplice no rosto. Me olhei bem fundo nos olhos, respirei fundo
e caí de joelhos aos prantos. Eu me olhou e disse: já estava em tempo
de me encontrar! Tentei me levantar, mas não havia mais forças. Toda
altivez se foi naquele profundo encontro de olhares. A dureza da vida se
fez evidente e percebi como vivi miseravelmente esses, talvez, vinte e
cinco anos. Vinte e cinco anos mascarando dores, sofrimentos, e
humilhações sem precedentes,
sem razões para se terem feito presentes. Vinte e cinco anos tentando
esconder a
porcaria de família que tinha, e a merda de vida que levava. Eu se
levantou, veio até mim, colocou a mão direita em meu ombro e disse:
Veja, sinta! Essa foi tua vida até agora. Perceba-a! Encare ela e a
aceite. Não foi legal o que fizeram contigo, nem o que te disseram.
Podres mentiras transferidas. Aconteceu e não há o que fazer, a não ser
sentir. E o que foi, foi... Nada será mudado. Sofra! Dói. Chora! Surta!
Ponha para fora toda essa raiva e frustração. Com meus olhos
marejados, com uma expressão totalmente fragilizada, corpo caído,
eu continuava com seu olhar cúmplice e voz macia dizendo: Grita! Urra! E
sinta... Sim. Chega de fugir do que incomoda, do que não quer que seja
real. Isso foi real, aconteceu, sinta. Olhei para eu sem forças,
precisava descansar. Nisso desmaiei e entrei em devaneio... E não sei
mais quem sou. Sou eu ou eu, ou nós?